Escravizados comiam sobras dos cães e gatos em abrigo de animais em Limeira

Os cães e gatos estavam em boas condições, já os seres humanos não”

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Escravizados comiam sobras dos cães e gatos em abrigo de animais em Limeira

Tem sido frequente a libertação de trabalhadores que cuidam de bois e vacas. Desta vez, porém, a fiscalização encontrou escravizados tomando conta de cães e gatos. Três pessoas foram resgatadas de um abrigo com cerca de 170 animais localizado na Chácara Barra Verde, zona rural de Limeira. “Os cães e gatos estavam em boas condições, já os seres humanos não”, afirmou o auditor fiscal do Ministério do Trabalho Paulo Warlet, que coordenou a ação.

O resgate também contou com a participação do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Rodoviária Federal, da Secretaria de Saúde de Limeira e do Centro de Controle de Zoonoses.


De acordo com a fiscalização, os três não recebiam salário e trabalhavam basicamente em troca de moradia, uma vez que dependiam de arroz, feijão e óleo vindos de uma igreja próxima de onde estavam para comer. Mas buscavam as doações à noite, pois a proprietária do abrigo não admitia que saíssem de lá. As vítimas eram pessoas muito simples, analfabetas ou com poucos anos de estudo, e demonstraram muito medo dos empregadores. Segundo os fiscais, eles sofriam assédio continuado e ouviam que os animais eram mais importantes que eles.

Um casal de irmãos era da cidade vizinha de Piracicaba e trabalhava no local há cerca de um ano e meio, já uma outra mulher veio do Ceará, atuando no abrigo há um ano. “O que mais constrangeu do ponto de vista humanitário era um balde com miúdos de porco para alimentar animais, pois os trabalhadores comiam dos restos desse balde por causa da fome”, afirmou Warlet.

Eles estavam acomodados em dois alojamentos sujos, sem chuveiro e instalações elétricas sob risco de incêndio. Os alimentos ficavam guardados perto de equipamentos para aplicação de agrotóxico, sob risco de contaminação. Os trabalhadores haviam recebido promessas enganosas de bom alojamento e remuneração justa, método comum de aliciamento. Não contavam com carteira de trabalho assinada, muito menos com equipamentos de proteção e de higiene para o trato com os animais. A coluna não conseguiu contato com os responsáveis pela chácara.

Verbas rescisórias de R$ 73 mil, indenização de R$ 265 mil Ao final da operação, que se iniciou em meados de dezembro, o Ministério do Trabalho e Previdência calculou em R$ 72.838,75 as verbas rescisórias e os direitos trabalhistas para os três. Também foram garantidas três parcelas de um salário mínimo referente ao seguro desemprego concedido a vítimas da escravidão. Há informações que não foram divulgadas pela fiscalização para não atrapalhar o processo de pagamento dos trabalhadores, que ainda está em curso.

A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Clarissa Schinestsck, firmou um Termo de Ajuste de Conduta foi firmado com o empregador para o pagamento de mais R$ 265.000,00 às vítimas como dano moral individual – R$ 100 mil para os irmãos que estavam há mais tempo e R$ 65 mil para a outra. Outros R$ 35.000,00 deverão ser destinados, na forma de compensação de danos morais coletivos, ao Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami), que atua com vítimas da escravidão e do tráfico de pessoas.

Os trabalhadores foram levados para um hotel, que está sendo bancado pelo abrigo, até que voltem para suas residências – custo que também ficará a cargo do empregador. A assistência social de Limeira está dando apoio aos três e o MPT informou as autoridades municipais para que acompanhem a situação dos animais da chácara.

Trabalho escravo no Brasil hoje

Os grupos de fiscalização móvel para o combate à escravidão existem desde 1995 e são integrados por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil ou Militar e por membros da Defensoria Pública da União. Mais de 57 mil trabalhadores foram resgatados pelo governo desde 1995.

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.

 

Fonte: Informações Uol Notícias

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